
A batalha legislativa sobre a privacidade digital na Europa sofreu uma reviravolta importante, com os legisladores a abandonarem, para já, os planos mais invasivos de monitorização de dispositivos. No entanto, para empresas como a Apple, o perigo de serem forçadas a analisar os dados dos seus utilizadores ainda não desapareceu por completo.
Depois de anos de avanços e recuos sobre a implementação de sistemas de verificação de material de abuso sexual infantil (CSAM), a União Europeia parece ter diluído a sua proposta inicial, mas deixa em aberto cláusulas que podem comprometer a encriptação.
O fim do rastreio obrigatório?
A proposta original da UE, que visava combater a disseminação de CSAM, levantou sérias preocupações entre defensores da privacidade e gigantes tecnológicas. A ideia de quebrar a encriptação ponta-a-ponta para "ler" mensagens gerou uma onda de críticas, levando a impasses sucessivos no Conselho da União Europeia.
Agora, segundo avança o 9to5Mac, os países da UE chegaram a um consenso sobre um novo texto legal. A grande mudança reside na remoção das "ordens de deteção obrigatórias". Em vez de forçar as plataformas a implementar sistemas de vigilância massiva, a nova versão foca-se em fortalecer os requisitos para que as plataformas adotem medidas de mitigação de risco.
Esta mudança surge num contexto em que a própria Apple já tinha tentado, e abandonado, uma iniciativa semelhante. Em 2021, a empresa anunciou planos para verificar dispositivos em busca de CSAM, mas recuou após especialistas apontarem falhas graves de privacidade. Em 2024, a empresa de Cupertino inverteu completamente a sua posição, utilizando os mesmos argumentos que outrora rejeitara para justificar o abandono do projeto.
A porta das traseiras continua entreaberta
Apesar do alívio imediato com a queda das ordens de deteção obrigatória, o diabo está nos detalhes. A exigência vaga de "mitigar riscos" pode tornar-se uma armadilha legal. Existe o receio de que, para cumprir com estas novas diretrizes de mitigação, as empresas acabem por ser coagidas a implementar algum tipo de verificação de mensagens ou ficheiros.
Embora as tentativas de quebrar a encriptação tenham sido derrotadas até agora, o novo texto não exclui a possibilidade de um compromisso que obrigue a Apple a verificar dados armazenados na nuvem, especificamente no iCloud, onde a encriptação pode não ser tão restrita dependendo das definições do utilizador.
O processo legislativo ainda não terminou. Será necessário encontrar um compromisso final entre os co-legisladores da UE para que a lei seja adotada, um processo que poderá demorar vários meses. Além disso, os países membros terão liberdade para aplicar legislação nacional mais rigorosa se assim o desejarem, o que significa que a batalha pela privacidade digital na Europa está longe de terminar.