
Portugal conta já com uma década de experiência na implementação de medidas de bloqueio a sites pirata, uma iniciativa que começou a ganhar forma em 2015 através de um acordo voluntário. Este acordo formalizou o sistema de bloqueio no país, envolvendo diversas entidades, desde o Governo aos detentores de direitos de autor e aos fornecedores de serviços de Internet. Ao longo dos anos, este mecanismo resultou no bloqueio de milhares de nomes de domínio, numa tentativa de dissuadir o acesso a conteúdos ilegais. Para reforçar o impacto, os anunciantes também se juntaram à causa, impedindo a colocação de publicidade nestes sites.
Uma década de bloqueios: o caminho de Portugal na luta contra a pirataria
A relativa facilidade com que estas medidas foram implementadas, encontrando pouca oposição generalizada, foi rapidamente notada por grandes estúdios internacionais. Já em 2016, Portugal era apresentado como um exemplo a seguir por outros países europeus, como Espanha e França, que ponderavam implementar os seus próprios planos de bloqueio.
Um ano depois, em 2017, um estudo encomendado por Hollywood parecia confirmar o sucesso da abordagem, indicando uma diminuição significativa do tráfego nos sites bloqueados. Embora expectável – afinal, os domínios estavam bloqueados –, o resultado foi considerado uma vitória importante. No entanto, cedo se percebeu que o bloqueio de domínios específicos tendia a desviar o tráfego para outros sites ainda acessíveis, um efeito que não foi considerado no estudo inicial, mas que já havia sido documentado em investigações anteriores. Este fenómeno continua a ser visível, demonstrando que os problemas de pirataria em Portugal estão longe de terminar.
Apesar dos esforços, a pirataria continua a ser um desafio nacional
No início deste ano, a Apritel, associação que representa os fornecedores de Internet e operadoras de telecomunicações em Portugal, classificou os serviços de streaming pirata e IPTV como um problema de grande dimensão. Curiosamente, a associação não apontou o reforço dos bloqueios como a principal solução, sugerindo antes que as autoridades deveriam ponderar a aplicação de sanções financeiras aos utilizadores destes serviços.
Estas preocupações são partilhadas por muitos detentores de direitos de autor e foram também tema de debate no Colóquio sobre Pirataria Digital de Conteúdos Audiovisuais, que decorreu em Lisboa na semana passada. No evento, diversos intervenientes discutiram os contínuos desafios impostos pela pirataria.
Dados da MUSO: Portugal acima da média europeia no consumo pirata
Com mais de 3.000 domínios bloqueados, Portugal possui medidas antipirataria consideravelmente restritas. Contudo, dados recentes da empresa de monitorização de pirataria MUSO, preparados para o colóquio da semana passada, indicam que a pirataria continua popular em território nacional, superando inclusive a média europeia. "A taxa de pirataria por utilizador em Portugal é 33% superior à média europeia, marcando-o como um dos territórios mais ativos no consumo de conteúdo não autorizado", explica a MUSO no seu relatório.
Este elevado índice de pirataria reflete-se também no número de visitas a sites pirata por parte dos internautas portugueses, que é superior ao de qualquer outro país da região, apesar das medidas de bloqueio existentes. "Este padrão de elevado envolvimento tem-se mantido consistente ao longo de vários anos, indicando a necessidade de estratégias de fiscalização contínuas e mais refinadas", escreve a MUSO, corroborando o apelo a uma aplicação mais rigorosa das medidas. É importante notar que, como a MUSO reporta apenas dados de visitas a websites, o crescimento na utilização de serviços de IPTV pirata não está refletido nestes números
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O surpreendente 'ponto cego': sites de Manga e Anime escapam à rede?
Após anos de bloqueios, muitos sites pirata adaptaram-se, mudando frequentemente para novos domínios para contornar as restrições, num persistente jogo do gato e do rato. O Tugaflix, por exemplo, tem sido alvo de bloqueios há uma década, mas novos domínios continuam a surgir. De acordo com a MUSO, um domínio associado ao 'Tugaflix' figurou na lista dos dez sites pirata mais visitados em Portugal nos últimos 12 meses, tendo sido entretanto bloqueado e já migrado para um novo endereço.
A lista da MUSO revela outra perspetiva interessante: entre os sites de pirataria mais visitados encontram-se numerosas plataformas dedicadas a Manga e Anime. Nomes como o popular Asuracomic.net, Hianime e 3xyaoi destacam-se e, segundo dados de listas de bloqueio consultadas, permanecem acessíveis em Portugal.
De facto, ao analisar uma lista com cerca de 3.000 domínios bloqueados, atualizada há poucos meses, não se encontram referências a sites relacionados com Manga ou Anime. Aparentemente, este tipo de conteúdo representa um considerável ponto cego na estratégia de fiscalização.
Ferramentas existem, mas a aplicação eficaz é crucial
Isto sugere que as taxas de pirataria relativamente elevadas não são necessariamente resultado da ausência de medidas antipirataria. A pirataria online não desaparece magicamente apenas porque existem ferramentas para a combater; é fundamental que estas ferramentas sejam utilizadas de forma ativa e correta pelos detentores de direitos de autor.
Resta saber se esta particularidade do ecossistema de pirataria, nomeadamente a aparente imunidade dos sites de Manga e Anime, foi um dos tópicos de discussão no recente colóquio antipirataria em Lisboa.