
Quem diria que uma aplicação popularizada por gamers se poderia transformar no centro nevrálgico da política de um país? No Nepal, foi precisamente o que aconteceu. Após a queda do governo, motivada por protestos contra uma tentativa de banir as redes sociais, mais de 145 mil cidadãos juntaram-se a um servidor do Discord para debater e decidir o futuro da nação.
Do caos nas ruas ao debate digital
A transição não foi pacífica. A crise política estalou após protestos contra a desigualdade, a corrupção e a controversa medida de proibir as redes sociais, que resultaram em mais de 30 mortos na capital, Katmandu. Com o parlamento incendiado, o primeiro-ministro fora do cargo e o exército a controlar a capital, os nepaleses migraram para a aplicação para organizar as discussões sobre o futuro político, através de um canal criado pela ONG Hami Nepal.
As conversas, realizadas por voz, vídeo e texto, ganharam uma enorme repercussão, sendo transmitidas em canais de televisão e sites locais. “O parlamento do Nepal agora é o Discord”, resumiu Sid Ghimiri, um criador de conteúdos de 23 anos, ilustrando a importância que a plataforma assumiu.
Uma líder escolhida no chat
Este parlamento improvisado não se limitou a conversas. Embora o poder esteja nas mãos dos militares, os organizadores do canal foram convidados a sugerir nomes para um governo de transição. Após várias sondagens e debates, o grupo indicou a ex-chefe do supremo tribunal, Sushila Karki, que, segundo o New York Times, já se reuniu com o presidente Ram Chandra Poudel e o comandante do exército.
Para Shaswot Lamichhane, um dos moderadores do canal, a plataforma funciona como um intermediário informal entre os cidadãos e o exército. "Tudo o que é dito no Discord chega ao quartel-general", afirmou.
Os desafios de moderar uma nação online
Claro que gerir um debate com 145 mil pessoas em simultâneo não é tarefa fácil. O crescimento rápido do servidor trouxe consigo os problemas típicos das grandes comunidades online: discussões desorganizadas, lutas internas e a inevitável infiltração de trolls. Os moderadores tiveram de trabalhar arduamente para conter mensagens de ódio e apelos à violência, mostrando a dificuldade de manter a ordem num espaço tão aberto e volátil.
Especialistas consideram inédito o uso político do Discord no Nepal, seja pela sua escala ou pelo seu propósito. O episódio reforça o poder das plataformas digitais para a mobilização cívica, mas também expõe as suas limitações para a criação de estruturas políticas estáveis a longo prazo. Afinal, quando 145 mil pessoas têm voz ao mesmo tempo, o maior desafio pode ser chegar a um consenso.