
Uma equipa de cientistas na Finlândia fez uma descoberta que pode ser um passo de gigante para responder a uma das maiores questões em aberto da física: qual é a massa do antineutrino do eletrão? A resposta pode ajudar a pintar um quadro mais completo sobre a evolução do universo.
As misteriosas partículas fantasma
Os neutrinos e os seus parceiros de antimatéria, os antineutrinos, são conhecidos como "partículas fantasma". São partículas subatómicas incrivelmente pequenas e quase sem massa, que não têm carga elétrica e interagem muito fracamente com a matéria. Esta característica fantasmagórica faz com que biliões delas atravessem o nosso corpo a cada segundo sem que nos apercebamos, tornando a sua deteção e estudo um desafio monumental para a ciência.
"A determinação da sua massa seria da maior importância", explica a Professora Anu Kankainen, da Universidade de Jyväskylä. "Compreendê-las pode dar-nos uma imagem melhor da evolução do universo".
O desafio de pesar um fantasma
Uma das formas de medir a massa do antineutrino é através do estudo do decaimento beta, um processo em que um núcleo atómico se transforma noutro, libertando um eletrão e um antineutrino. A energia total libertada nesta reação é conhecida como o "valor Q".
Para os cientistas, o ideal é encontrar um decaimento com um valor Q extremamente baixo. Se a energia total libertada for minúscula, o pequeno contributo da massa do antineutrino torna-se, em proporção, muito mais significativo e, por isso, mais fácil de medir. "Como a massa do antineutrino do eletrão é estimada como sendo pelo menos cinco ordens de magnitude menor que a massa do eletrão, é muito desafiador observar a sua contribuição", afirma o investigador Jouni Ruotsalainen.
Uma descoberta recorde na Finlândia
A equipa finlandesa, utilizando o sistema de alta precisão JYFLTRAP, focou-se num caso muito particular: o decaimento de um isómero de prata-110 ($^{110m}Ag)paraumestadoespecıˊficodecaˊdmio−110(^{110}$Cd). As medições anteriores sugeriam que este decaimento poderia ser quase impossível.
No entanto, as novas medições de massa de alta precisão revelaram um valor Q positivo de 405±135 eV (eletrão-volts). Segundo o estudo, publicado na revista Physical Review Letters, este é o valor Q mais baixo alguma vez registado para um decaimento beta permitido, um tipo de decaimento que ocorre com maior probabilidade.
"Fiquei entusiasmado por ver que o valor Q resultante é positivo e, na verdade, o mais baixo para qualquer transição de decaimento beta permitido descoberto até agora", partilhou Ruotsalainen, conforme detalhado pela Universidade de Jyväskylä.
O que se segue para a física de partículas?
Esta descoberta transforma a prata-110 num candidato ideal para futuras experiências destinadas a medir diretamente a massa do antineutrino. Os cálculos indicam que, de todas as vezes que o isómero de prata-110 decai, cerca de três em cada milhão seguem este caminho de energia ultra-baixa, com uma meia-vida parcial de 2.2×107 anos.
"Com uma meia-vida de cerca de 250 dias para o próprio isómero e a possibilidade de o produzir através da captura de neutrões térmicos na prata-109 estável, torna-se um candidato viável para futuras medições da massa do antineutrino", acrescentou o investigador Marlom Ramalho. A combinação de um decaimento permitido, um valor Q recorde e uma produção relativamente fácil coloca esta descoberta no centro das atenções da física de partículas.