A Itália está a intensificar significativamente o combate aos serviços de IPTV pirata, e desta vez o foco não está apenas nos fornecedores, mas também nos próprios consumidores. Nos últimos meses, o país adotou uma postura mais rigorosa que já levou à emissão de milhares de multas a cidadãos por utilizarem transmissões ilegais. Esta é uma mudança de paradigma que pode ter um impacto profundo no consumo de conteúdos pirateados.
A Lei que Pôs Fim à Tolerância (e Atinge a Carteira)
Há alguns meses, foi estabelecido um protocolo de colaboração entre o Ministério Público italiano, a Guardia di Finanza (a polícia financeira) e a AGCOM (a autoridade reguladora das comunicações). Este acordo permite a partilha de informações sobre os utilizadores de IPTV pirata entre as várias agências.
A base legal para esta ofensiva é uma nova lei anti-pirataria, introduzida em 2023, que prevê coimas que podem ir até aos 5.000 euros para os reincidentes. E as autoridades não perderam tempo a avisar os infratores de que a sua impunidade tinha os dias contados. Avisos esses que, como se veio a confirmar, eram bem mais do que uma simples ameaça velada.
De Onde Vêm os Dados? O Rasto dos Piratas
Embora a origem exata das informações dos utilizadores não tenha sido imediatamente clarificada, tudo aponta para que os dados provenham de bases de dados apreendidas durante as frequentes rusgas a operações de IPTV que ocorrem em Itália. Estas bases de dados contêm, tipicamente, emails e outras informações potencialmente identificáveis dos subscritores (ou ex-subscritores) destes serviços ilegais. Com estes detalhes em mãos, as autoridades podem agora notificar os suspeitos.
Um exemplo concreto é a recente ação de fiscalização em Lecce, onde uma grande operação de IPTV foi desmantelada em outubro do ano passado. Segundo a imprensa local, os dados dos utilizadores agora multados estão ligados a esta operação.
Piracy Shield: O Muro Digital Italiano Contra o Streaming Ilegal
Para além das multas, a Lei 93/2023 também deu origem ao "Piracy Shield" (Escudo Anti-Pirataria), um sistema que permite o bloqueio rápido, por parte dos fornecedores de Internet (ISPs), de transmissões de IPTV não autorizadas.
Apesar de ter sido alvo de fortes críticas após o seu lançamento no ano passado, nomeadamente devido a erros de bloqueio excessivo ("overblocking") que afetaram serviços legítimos, o Piracy Shield continua operacional e está a ser gradualmente expandido e otimizado.
Futebol ao Ataque: A Influência Decisiva na Nova Lei
Não é segredo que grande parte desta legislação foi desenhada para combater a pirataria das transmissões em direto de jogos de futebol, um fenómeno com grande impacto económico e social em Itália. Um pormenor interessante é que o senador Claudio Lotito, autor e relator da lei anti-pirataria, é também o proprietário de um dos maiores clubes italianos, a Lazio.
Ao comentar as milhares de multas agora aplicadas, Lotito foi taxativo: "Acabaram-se as brincadeiras". Acrescentou ainda que quem ultrapassar os limites enfrentará consequências pessoais e financeiras.
O dono da Lazio não está sozinho nesta cruzada. Luigi De Siervo, CEO da Serie A, a principal liga de futebol italiana, avisou, segundo a Sky, que "ninguém que cometa um crime de pirataria em Itália pode dormir descansado".
Paolo Scaroni, presidente do AC Milan, sublinhou que o país já possui algumas das melhores leis anti-pirataria e que o fundamental é aplicá-las. "Temos uma lei excelente, mas precisa de ser cumprida. Cumprir significa punir quem fornece a pirataria, mas também quem a usa e compra", comentou Scaroni.
Também Beppe Marotta, presidente do Inter, afirmou que é tempo de dizer "basta" à pirataria. Em vez de apenas pedir ao público para parar de piratear, defende que devem sentir as consequências imediatamente. "Esta lei, aprovada há dois anos [referindo-se ao processo legislativo da lei de 2023], está agora preparada para responder às prioridades. Usando uma metáfora futebolística: se antes havia um cartão amarelo, agora há um cartão vermelho. A lei ajudará a reequilibrar as receitas e a dar um impulso ao movimento."
Mãos à Obra: 2.282 Infratores Já Notificados e Mais a Caminho
Numa recente conferência de imprensa, a Guardia di Finanza anunciou os primeiros resultados concretos desta intensificação das ações anti-pirataria direcionadas aos utilizadores finais. Foram identificados e multados 2.282 utilizadores de IPTV pirata em toda a Itália.
As multas iniciais são tipicamente de 154 euros, mas as autoridades alertam que este valor aumentará para os referidos 5.000 euros caso os mesmos infratores sejam apanhados novamente. Estas ações marcam a primeira aplicação efetiva da Lei 93/2023 contra os utilizadores finais, e não apenas contra os operadores das redes piratas.
As autoridades italianas já deixaram claro que este não é um evento isolado. Estão em curso atividades para identificar outros subscritores de IPTV pirata, e outros três Ministérios Públicos já deram início a investigações para encontrar mais alvos.
Resta saber se estas multas conseguirão, de facto, motivar as pessoas a optarem por subscrições legais. Dependendo do valor das coimas aplicadas, alguns dos visados poderão ter de poupar durante algum tempo antes de poderem sequer considerar pagar por serviços legítimos. O cerco, no entanto, está claramente a apertar-se para os consumidores de IPTV pirata em Itália.
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