Um erro de tradução na transposição de uma diretiva europeia para a legislação portuguesa está a gerar um enorme imbróglio. A nova lei, se interpretada à letra, pode levar a que os proprietários de bicicletas elétricas e de carga sejam obrigados a contratar um seguro de responsabilidade civil automóvel, uma situação que a associação MUBi classifica como desproporcional e que contraria o espírito da legislação europeia.
A confusão está instalada com a publicação do Decreto-Lei n.º 26/2025, que atualiza o regime do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel. O problema reside no facto de o Governo português ter baseado o diploma numa tradução nacional incorreta da Diretiva Europeia 2021/2118, uma versão que, entretanto, já foi oficialmente retificada pela União Europeia.
Uma tradução errada que pode custar caro
O busílis da questão está na definição de "veículo". A versão portuguesa inicial e defeituosa da diretiva dava a entender que as bicicletas com assistência elétrica, como as e-bikes e as bicicletas de carga, estariam no mesmo saco que os automóveis no que toca à obrigatoriedade de seguro.
Após um alerta da MUBi às instituições europeias, a diretiva foi alvo de uma retificação oficial. A nova versão, agora em conformidade com todos os outros idiomas da UE, deixa claro que o conceito de “veículo” para este efeito abrange apenas aqueles que são "acionados exclusivamente por uma força mecânica". Esta pequena, mas crucial, alteração exclui inequivocamente as bicicletas elétricas, cujo motor elétrico apenas assiste a pedalada e não funciona de forma exclusiva.
A intenção europeia sempre foi clara
Desde o início que a intenção do legislador europeu era não incluir as bicicletas elétricas nesta obrigação. Os considerandos da diretiva original já sublinhavam que a medida era desproporcional para estes veículos. Esta posição foi, de resto, reafirmada publicamente pelo Parlamento Europeu em várias ocasiões.
Em comunicados sobre o tema, como o que anunciava o acordo para as novas regras ou o da adoção final do texto, a instituição foi explícita ao afirmar que as "regras revistas excluem as bicicletas elétricas da obrigação de seguro automóvel".
Governo português ignora alertas e mantém a incerteza
Apesar de a MUBi ter comunicado a correção da diretiva ao Governo português e solicitado a alteração correspondente no Decreto-Lei nacional, até ao momento, não obteve qualquer resposta. Esta inação cria um cenário de insegurança jurídica, abrindo a porta a interpretações abusivas da lei.
Curiosamente, tudo indica que nem sequer foi intenção do legislador nacional incluir as bicicletas, uma vez que o preâmbulo do diploma não faz qualquer menção ao que seria uma mudança tão drástica e desalinhada com a Europa. Além disso, o resto do texto remete para artigos do Código da Estrada que são aplicáveis apenas a veículos motorizados, definição que em Portugal exclui os velocípedes.
MUBi exige retificação e bom senso
Perante este impasse, a MUBi defende que o Governo deve clarificar a situação urgentemente, através da publicação de uma Declaração de Retificação ao Decreto-Lei que adote a definição correta de veículo.
A associação relembra ainda que o foco da fiscalização e preocupação das autoridades deveria estar nos milhares de veículos automóveis que circulam anualmente sem seguro. São estes veículos, com mais de uma tonelada e capazes de atingir altas velocidades, que representam um risco elevado de danos e justificam a obrigatoriedade de um seguro de responsabilidade civil para circular na via pública.
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