
A presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, deixou um aviso sério e direto sobre os riscos que as stablecoins e outros criptoativos representam para a estabilidade financeira da Europa. Durante a sua intervenção na nona conferência anual do Conselho Europeu de Risco Sistémico (ESRB), em Frankfurt, Lagarde sublinhou que, apesar da aparência inovadora, estes ativos digitais trazem de volta perigos financeiros bem conhecidos, mas que agora regressam pela “porta das traseiras”.
Num momento em que moedas digitais como as stablecoins ganham terreno, servindo de ponte entre o ecossistema das criptomoedas e as funções financeiras tradicionais, a líder do BCE foi clara. “As atividades financeiras, por mais nova que seja a sua aparência, são quase sempre variações de algumas funções intemporais: transacionar, poupar e pedir emprestado; investir e partilhar risco; fazer seguros e cobertura; e transformar maturidades”, explicou.
Os perigos de sempre com uma nova roupagem
Para Christine Lagarde, as stablecoins espelham os riscos já identificados em certos fundos do mercado monetário, que levaram o ESRB a emitir alertas no passado. A presidente do BCE destacou que, embora o sistema financeiro europeu tenha evoluído, com as instituições não-bancárias a representarem agora 3,8 vezes o PIB, os riscos fundamentais não se alteraram. Citando o economista Charles Kindleberger, Lagarde referiu que as “crises financeiras são uma planta perene resistente”.
O foco principal da sua preocupação são as stablecoins, moedas digitais que prometem manter um valor estável ancorado a um ativo de referência. Embora sejam hoje usadas maioritariamente para negociar outros criptoativos, a sua ambição é tornarem-se um meio de troca comum. “O mais evidente é o risco de liquidez”, avisou Lagarde, comparando estas moedas a instituições que “investem em ativos arriscados enquanto prometem aos investidores o reembolso a curto prazo e ao par”.
MiCAR: A regulamentação europeia com uma falha perigosa
A União Europeia já se adiantou com o regulamento Markets in Crypto-Assets (MiCAR), que tenta mitigar estes perigos. A legislação obriga os emissores de stablecoins a garantir o reembolso ao valor nominal a qualquer momento e a manter reservas significativas em depósitos bancários.
No entanto, Lagarde identificou uma lacuna crítica: os esquemas de múltipla emissão. Nestes casos, uma entidade europeia e outra de fora da UE emitem em conjunto stablecoins que são fungíveis entre si. “Os requisitos MiCAR não se estendem ao emissor não-europeu”, alertou. Isto cria um cenário perigoso em caso de uma corrida aos levantamentos, onde os investidores iriam, naturalmente, procurar a jurisdição com maior proteção – a União Europeia. O problema é que as reservas detidas na Europa poderiam não ser suficientes para cobrir uma procura tão concentrada.
Cooperação internacional é a única saída
Num cenário financeiro em constante e rápida mutação, a presidente do BCE insiste que os velhos fantasmas do risco – como tensões de liquidez, alavancagem excessiva e perda de confiança – continuam presentes. Para Lagarde, a solução para a falha do MiCAR passa por impedir que estes esquemas operem na UE sem que existam regimes de equivalência robustos noutras jurisdições.
“Conhecemos os perigos. E não precisamos de esperar por uma crise para os prevenir”, declarou, reforçando que sem uma cooperação internacional e regulamentação harmonizada, “os riscos procurarão sempre o caminho de menor resistência”. A tarefa, segundo Lagarde, é “cortar através do ruído da novidade”, mantendo o foco nos princípios de boa gestão de risco. A questão não é se as stablecoins representam uma ameaça, mas quando essa ameaça se poderá concretizar se não forem tomadas as devidas medidas preventivas.










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