
Depois de anos a assumir o papel de regulador mais rigoroso do mundo tecnológico, a Europa parece ter pestanejado. Sob intensa pressão da indústria, de figuras como Mario Draghi e até do governo norte-americano (incluindo a influência de Donald Trump), Bruxelas propôs alterações significativas ao seu emblemático Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) e às regras sobre Inteligência Artificial. O objetivo? Cortar na burocracia e tentar reanimar o crescimento económico do bloco.
As mudanças propostas pela Comissão Europeia, o braço executivo da UE, visam alterar elementos centrais da legislação, simplificando a vida tanto às empresas como aos utilizadores — sim, os infames avisos de cookies podem estar prestes a diminuir.
Menos burocracia, mais dados para a IA
O novo pacote legislativo, apelidado de "Digital Omnibus", pretende facilitar a partilha de conjuntos de dados pessoais anonimizados e pseudonimizados por parte das empresas. Uma das alterações mais significativas permitiria que as empresas de Inteligência Artificial utilizassem legalmente dados pessoais para treinar os seus modelos, desde que esse treino cumpra os restantes requisitos do RGPD.
Henna Virkkunen, vice-presidente executiva para a soberania tecnológica na Comissão Europeia, justificou a medida com a necessidade de competitividade. «Temos todos os ingredientes na UE para ter sucesso. Mas as nossas empresas, especialmente as startups e pequenas empresas, são muitas vezes travadas por camadas de regras rígidas», afirmou. A estratégia passa por cortar a burocracia e simplificar as leis da UE, mantendo, segundo a responsável, a proteção dos direitos fundamentais.
Adeus aos avisos de cookies constantes?
Uma das mudanças que provavelmente agradará a quase todos os internautas é a redução drástica dos banners de consentimento de cookies que inundam a navegação na web.
Segundo a nova proposta, os cookies considerados de "não-risco" deixarão de exigir aqueles pop-ups constantes. Para os restantes, a ideia é que os utilizadores possam gerir as suas preferências através de controlos centrais no próprio navegador (browser), aplicando as escolhas a todos os sites de forma automática, em vez de terem de clicar "Aceitar" ou "Rejeitar" página a página.
Além disso, a proposta prevê simplificar a documentação exigida a pequenas empresas de IA e criar uma interface unificada para reportar incidentes de cibersegurança.
O AI Act mete o pé no travão
A proposta também dilui uma parte fundamental das novas regras europeias para a Inteligência Artificial. Embora o AI Act tenha entrado em vigor em 2024, muitos dos seus elementos tinham implementação faseada. A Comissão propõe agora estender o período de carência para as regras que governam os sistemas de IA de "alto risco" — aqueles que representam riscos sérios para a saúde, segurança ou direitos fundamentais.
Estas regras, que deveriam entrar em vigor no próximo verão, agora só serão aplicadas quando estiver confirmado que «as normas necessárias e as ferramentas de apoio estão disponíveis» para as empresas de IA. Esta medida surge num contexto em que a Europa tenta não perder o comboio da corrida global da IA, atualmente dominada por gigantes dos EUA e da China, como a DeepSeek, Google e OpenAI.
A decisão segue-se a meses de pressão por parte das Big Tech e de figuras políticas, incluindo Donald Trump e o ex-presidente do BCE, Mario Draghi, que alertaram que a regulação excessiva estava a prejudicar a capacidade da Europa de competir globalmente.
A proposta segue agora para o Parlamento Europeu e para os 27 estados-membros, onde precisará de uma maioria qualificada para ser aprovada. Espera-se uma batalha política intensa, com grupos de direitos civis a acusarem já a Comissão de estar a ceder aos interesses das grandes tecnológicas em detrimento da segurança dos cidadãos.










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