
Imagine um relógio tão preciso que, se tivesse começado a contar o tempo no início do universo, hoje ainda estaria certo. Parece ficção científica, mas é a mais recente proeza de uma equipa de investigadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST) dos EUA. O seu novo relógio atómico ótico é oficialmente o mais exato e estável alguma vez construído.
A precisão deste relógio é difícil de imaginar. A sua incerteza de frequência fracionária é de apenas 5.5×10−19. Na prática, isto significa que seria necessário mais tempo do que a idade do universo para que o relógio se adiantasse ou atrasasse um único segundo. Para além disso, é 2,6 vezes mais estável do que qualquer outro relógio de iões, um feito que é o culminar de duas décadas de trabalho e melhorias contínuas.
O segredo está num ião de alumínio e num parceiro de magnésio
O coração deste dispositivo revolucionário é um único ião de alumínio (²⁷Al⁺), aprisionado e observado através de uma técnica chamada espectroscopia de lógica quântica. O alumínio é excecional para marcar o tempo porque os seus "tiques" são incrivelmente constantes e pouco afetados por variações de temperatura ou campos magnéticos. O problema? É muito difícil de controlar com lasers.
É aqui que entra o seu parceiro, um ião de magnésio (²⁵Mg⁺). Preso ao seu lado, o magnésio, que é muito mais fácil de manipular, tem duas funções cruciais: arrefece simpaticamente o ião de alumínio para o manter estável e permite que os cientistas leiam o seu estado de forma indireta, resolvendo o principal desafio técnico.
Vinte anos de melhorias para atingir a perfeição
Para alcançar este novo recorde, detalhado num estudo publicado na Physical Review Letters, a equipa do NIST redesenhou quase todos os componentes críticos. A câmara de vácuo, por exemplo, foi reconstruída em titânio, o que reduziu 150 vezes a presença de gás hidrogénio residual e permitiu que o relógio funcionasse durante dias a fio sem interrupções.
A "armadilha" que segura os iões foi também redesenhada para diminuir micromovimentos indesejados que podem comprometer a medição do tempo. Uma das melhorias mais significativas veio da estabilidade do laser, transferida através de uma fibra ótica de 3,6 km a partir de uma cavidade criogénica de silício. Graças a estas inovações, o relógio consegue atingir uma precisão de 19 casas decimais em cerca de 36 horas, um processo que antes demorava três semanas.
Para que serve um relógio tão preciso?
Um dispositivo com esta exatidão abre portas a avanços notáveis em várias áreas da ciência. A aplicação mais imediata é a possibilidade de redefinir o segundo, a unidade base do tempo no Sistema Internacional, com uma precisão muito maior.
Além disso, relógios tão sensíveis podem ser usados para detetar minúsculas variações no campo gravitacional da Terra, com aplicações em geociências, como o estudo do nível do mar ou a deteção de atividade vulcânica. Abrem também um novo campo de testes para a física fundamental, permitindo verificar se as constantes da natureza, como a velocidade da luz, são verdadeiramente constantes ao longo do tempo. Como refere a estudante Willa Arthur-Dworschack, a equipa está agora "pronta para explorar novas arquiteturas, como aumentar o número de iões e até entrelaçá-los, melhorando ainda mais as nossas capacidades de medição".