
Um movimento crescente de músicos, DJs e editoras independentes está a ganhar força sob a bandeira "Death 2 Spotify" ("Morte ao Spotify"). Numa série de palestras que esgotaram a lotação em Oakland, nos Estados Unidos, os participantes não pedem o fim literal da plataforma, mas sim uma revolução na forma como a música é produzida, distribuída e consumida. A iniciativa, que começou localmente, já captou a atenção internacional, com músicos e fãs de outros países a quererem replicar o modelo.
O debate, que decorreu no último mês de setembro, centrou-se em "descentralizar a descoberta, produção e audição musical nas economias capitalistas", segundo os organizadores. A notícia, avançada pelo The Guardian, revela que o movimento está a ganhar tração internacional. Entre os oradores estiveram representantes da rádio independente KEXP, das editoras Cherub Dream Records e Dandy Boy Records, e dos coletivos de DJs No Bias e Amor Digital.
A precariedade económica no centro da discórdia
Um dos principais alvos da contestação é o modelo económico do Spotify, que paga aos artistas entre 0,003 e 0,005 dólares (aproximadamente 0,0028 e 0,0047 euros) por cada reprodução. "Acho muito ridículo que coloquemos o nosso coração e alma em algo e depois o disponibilizemos online de graça", desabafa a compositora de pop-rock Caroline Rose.
Seguindo esta linha de pensamento, muitos artistas estão a explorar outras vias. O álbum “Year of the Slug” de Rose, por exemplo, foi lançado apenas em vinil e na plataforma Bandcamp. O grupo Hotline TNT seguiu uma estratégia semelhante com o seu disco "Raspberry Moon", vendendo-o diretamente no Bandcamp e promovendo-o com uma transmissão de 24 horas na Twitch, o que lhes rendeu milhares de dólares. Will Anderson, vocalista da banda, é categórico: há "0% de chance" de as suas músicas voltarem ao serviço.
Menos algoritmo, mais consciência
Além da questão financeira, o movimento critica o impacto cultural do streaming, argumentando que as plataformas esvaziam a música de "significado e espiritualidade", criando "multidões de ouvintes passivos" que dependem de algoritmos.
"O Spotify está agora interligado à maneira como ouvimos música", explica Stephanie Dukich, uma das organizadoras. "Queríamos criar um espaço para questionar o que realmente significa remover as nossas músicas de lá". Para Manasa Karthikeyan, também organizadora, a mudança passa igualmente pelos ouvintes: "Abrir mão do acesso imediato a tudo obriga-nos a pensar realmente no que estamos a apoiar".
Um boicote com história e novas motivações
Este não é o primeiro boicote que o Spotify enfrenta. Grandes nomes como Taylor Swift, Thom Yorke (Radiohead), Neil Young e Joni Mitchell já retiraram a sua música da plataforma por diversos motivos, desde a baixa remuneração a controvérsias envolvendo personalidades apoiadas pelo serviço.
Mais recentemente, o CEO e cofundador do Spotify, Daniel Ek, esteve no centro de uma polémica devido ao seu investimento na Helsing, uma empresa alemã que desenvolve inteligência artificial para fins militares, o que motivou novas ondas de protesto.
Eric Drott, professor de música na Universidade do Texas, nota que esta nova vaga de boicotes tem um caráter diferente. "Estes artistas são menos famosos. Durante anos, sabiam que o streaming não os tornaria ricos, mas precisavam de visibilidade. Agora que há tanta música por aí, as pessoas perguntam-se se [a presença no Spotify] está a fazer alguma diferença".
Em última análise, o movimento “Death 2 Spotify” pretende ser um catalisador para uma reflexão profunda sobre o valor da música na era digital. Como conclui Karthikeyan, a dependência excessiva dos algoritmos arrisca-se a "nivelar a cultura" e a limitar a descoberta musical a uma zona de conforto. "Queremos apenas que todos reflitam um pouco mais sobre a maneira como ouvem música", remata.











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