
É uma decisão histórica que promete abalar as fundações da internet e a forma como os serviços de infraestrutura lidam com conteúdos ilegais. As principais editoras de manga japonesas — Kadokawa, Kodansha, Shueisha e Shogakukan — declararam vitória num longo braço de ferro judicial contra a gigante norte-americana. O Tribunal Distrital de Tóquio decidiu que a Cloudflare é responsável por danos devido à sua falha em travar sites de pirataria, condenando a empresa a pagar uma indemnização milionária.
A cumplicidade por omissão
O cerne da questão não é novo, mas a decisão do tribunal traz uma nova interpretação sobre a responsabilidade dos intermediários técnicos. A Cloudflare, conhecida por fornecer serviços essenciais de desempenho e segurança a uma vasta fatia da web, foi acusada de facilitar a operação de sites piratas.
Segundo as editoras, a recusa da empresa em parar de fornecer os seus serviços de CDN (Content Delivery Network) a estes sites, mesmo após repetidos alertas, foi decisiva para a ação judicial. O tribunal considerou que, ao manter o cache e replicar o conteúdo dos sites infratores nos seus servidores no Japão, a empresa estava, na prática, a ajudar a distribuir conteúdo ilegal ao público.
A decisão judicial sublinhou que a falha da Cloudflare em agir de forma "oportuna e apropriada", apesar de ter recebido notificações de infração, constituiu uma ajuda e incentivo à pirataria. Um ponto crítico para o veredito foi o facto de a empresa permitir que estes sites operassem sob um manto de forte anonimato, sem realizar procedimentos adequados de verificação de identidade dos seus operadores.
Uma fatura de milhões e um aviso à navegação
A sentença proferida pelo tribunal japonês condena a Cloudflare ao pagamento de 500 milhões de ienes (aproximadamente 3 milhões de euros). Embora seja um valor significativo, é apenas uma fração dos danos reais reconhecidos pelo tribunal. A sentença determinou que o total dos danos sofridos pelas editoras ascende aos 3,6 mil milhões de ienes (cerca de 22 milhões de euros), abrangendo apenas uma obra protegida por cada editora envolvida no processo.
Esta decisão surge após anos de tensão. Já em 2018, as editoras tinham avançado com uma moção, argumentando que a Cloudflare estava numa posição privilegiada para travar a infração. Na altura, chegou-se a um acordo onde a empresa se comprometeu a parar a replicação de sites nos seus servidores japoneses se estes fossem considerados ilegais. No entanto, a persistência dos sites piratas em usar a infraestrutura da Cloudflare levou a este novo processo em 2022.
As editoras alegam que a escala da infração era massiva, envolvendo mais de 4.000 obras e 300 milhões de visitas mensais, números que foram ignorados pela tecnológica norte-americana, segundo o comunicado partilhado pelo TorrentFreak.
O impacto no futuro da Internet
A Cloudflare, que sempre defendeu que as suas políticas cumprem ou excedem os requisitos legais — especialmente à luz da lei norte-americana, que protege infraestruturas neutras —, já sinalizou a intenção de recorrer da sentença.
A empresa argumenta que impor obrigações adicionais a intermediários como as CDNs pode criar um precedente perigoso a nível global. Num documento submetido ao Representante de Comércio dos EUA (USTR), a Cloudflare alertou que uma decisão desfavorável poderia forçar os fornecedores de serviços norte-americanos a limitar a sua oferta global para evitar responsabilidades legais, o que restringiria severamente o crescimento do mercado na região da Ásia-Pacífico.
Para as editoras japonesas, no entanto, esta é uma vitória crucial na proteção dos direitos de autor na era digital. O caso estabelece que a falta de verificação de identidade e a inação perante notificações de infração podem custar caro, mesmo para quem se considera apenas um "tubo" por onde passa a informação na internet.










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