
Numa altura de máxima tensão na indústria dos semicondutores, a mais recente proposta do secretário de Comércio dos Estados Unidos, Howard Lutnick, está a gerar mais controvérsia do que soluções. A administração Trump pediu publicamente a Taiwan um acordo “50-50”, que prevê que metade dos chips de que os EUA necessitam sejam fabricados em Taiwan e a outra metade em território norte-americano. O objetivo? Aumentar a autossuficiência dos EUA para mais de 40% antes do final do mandato.
No entanto, a realidade parece ser bem mais complexa. Segundo uma análise aprofundada de Ming-Chi Kuo, esta pressão sobre Taiwan é uma manobra para desviar as atenções dos verdadeiros problemas: os fracassos internos da indústria americana e a necessidade de dar tempo à Intel para recuperar o atraso face à concorrência.
Um plano "50-50" que ninguém parece entender
A proposta norte-americana é, no mínimo, vaga. Ninguém sabe ao certo se o "50-50" se refere a semicondutores de ponta, a nós mais maduros ou a tecnologias de encapsulamento. A falta de clareza é tal que o vice-primeiro-ministro taiwanês, Cheng Li-Chun, já veio a público afirmar que não existiram quaisquer conversações oficiais com Washington sobre este tema.
Esta indefinição serve, segundo o relatório, um propósito claro: colocar o foco mediático na TSMC, a gigante taiwanesa, enquanto se resolvem os problemas caseiros, nomeadamente com a Intel. Embora os investimentos estejam a fluir para a Intel para que esta se torne a grande fabricante dos EUA, o processo está a ser mais lento do que o esperado.
O verdadeiro obstáculo está em casa, não em Taiwan
A verdade é que o principal gargalo não está na capacidade da TSMC, mas sim na própria infraestrutura de semicondutores dos Estados Unidos. Construir uma fábrica de chips em solo norte-americano demora entre 24 a 28 meses, um valor consideravelmente superior aos 16 a 20 meses necessários em Taiwan. Os entraves regulatórios e a falta de mão de obra especializada são os grandes culpados, um problema já apontado por figuras como Jensen Huang, CEO da NVIDIA, e Jim Farley, da Ford.
Enquanto isso, a TSMC continua a avançar a um ritmo impressionante, até mesmo à frente do previsto. O seu plano “6 + 2 + 1” nos EUA contempla seis fábricas, duas de encapsulamento e um centro de I&D. A primeira fábrica já está em produção e a segunda, inicialmente prevista para 2028, foi antecipada para o final de 2027 e incluirá uma linha de produção para o processo de 2 nanómetros (N2), a pedido dos próprios Estados Unidos.
Uma cadeia de fornecimento global que não se muda com um decreto
Mesmo que os planos da TSMC nos EUA corram na perfeição, a autossuficiência americana continua a ser uma miragem. Se as seis fábricas estiverem operacionais entre 2030 e 2032, a produção representaria cerca de 25% a 30% da capacidade global da empresa. Embora seja um valor significativo, está longe do "50-50" e não resolve a dependência da complexa cadeia de fornecimento global.
Químicos essenciais para a produção de chips, como fotorresistentes e outros materiais, são maioritariamente provenientes do Japão, de empresas como a JSR, Namics ou Nagase. Atualmente, estes materiais são enviados da Ásia. Para suportar um aumento da produção nos EUA, seria necessário que estes fornecedores construíssem centros logísticos ou até fábricas em solo americano, um passo difícil e dispendioso.
Em suma, a proposta “50-50” parece carecer de uma base operacional sólida. Os verdadeiros limites da autossuficiência dos EUA não estão em Taiwan, mas sim na sua própria infraestrutura e na dificuldade de relocalizar uma cadeia de fornecimento global. Ao que tudo indica, Washington está a usar a pressão política para ganhar tempo, culpando Taiwan enquanto tenta resolver os seus próprios problemas e dar um balão de oxigénio à Intel na corrida renhida dos semicondutores.











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