Depois do imobiliário e da presidência dos Estados Unidos, a família Trump aventura-se agora no competitivo mundo dos smartphones. O Trump T1 é um vistoso telemóvel dourado que aterra no mercado com uma forte campanha de marketing assente num patriotismo exacerbado. Com um preço de 499 dólares, a pergunta que se impõe não é apenas "porquê?", mas sim como é que, em pleno 2025, um smartphone moderno pode realisticamente afirmar ser "Fabricado nos EUA".
A promessa soa quase tão fantasiosa como a de enriquecer toda a população. A globalização, um esforço liderado massivamente pelos EUA nas últimas décadas, fez com que a produção de eletrónicos seja um puzzle mundial. Os melhores processadores vêm de Taiwan, a montagem é feita na China, Índia ou Vietname, e os ecrãs são muitas vezes produzidos na Coreia do Sul. Embora alguns componentes, como certos tipos de vidro ou a areia para o silício, possam ter origem nos EUA, a verdade é que praticamente todos os smartphones são dispositivos globais.
Um smartphone com especificações... curiosas
Apesar da polémica, as especificações do T1 parecem razoáveis para o seu preço, que deverá rondar os 465 euros em conversão direta. Conta com um ecrã AMOLED de 6.8 polegadas com um recorte para a câmara frontal de 16 MP, uns generosos 12 GB de memória RAM e 256 GB de armazenamento. Na traseira, encontramos um conjunto de câmaras com um sensor principal de 50 MP, acompanhado por um sensor de profundidade e uma lente macro, ambos de 2 MP.
No entanto, há um detalhe que salta à vista pela sua ausência: o processador. A marca não especifica qual o "cérebro" do equipamento. Poderá ser um lapso, ou talvez uma omissão estratégica, visto que a esmagadora maioria dos processadores para smartphones é fabricada fora de portas, o que colidiria diretamente com a sua principal bandeira de marketing.
Afinal, de onde vem este telemóvel? As pistas apontam para a China
Vários analistas de mercado sugerem que o Trump T1 não passa de uma versão "reskinned" (com uma nova "pele") de um telemóvel já existente. Um dos candidatos é o Revvl 7, um smartphone Android de 200 dólares (cerca de 186€) vendido pela T-Mobile nos EUA e fabricado pela Wingtech, uma empresa chinesa com participação estatal.
Contudo, as especificações e o design parecem alinhar-se ainda melhor com o Coolpad X100, um equipamento que custa cerca de 180 euros. Conforme aponta a base de dados da GSMArena, este modelo é listado como um "telemóvel relacionado" com o T1. As semelhanças são evidentes: ecrã AMOLED de 6.8 polegadas, 256 GB de armazenamento e até 12 GB de RAM. Curiosamente, o modelo chinês apresenta câmaras com especificações superiores. Tal como o Revvl 7, é fabricado na China por uma empresa chinesa.
Questionados sobre se o T1 é um rebrand, os filhos de Trump, Don Jr. e Eric, usam uma linguagem evasiva, insistindo que o seu dispositivo será "eventualmente" fabricado nos EUA. Esta palavra, "eventualmente", carrega um peso enorme e parece ser uma manobra para contornar as rígidas leis norte-americanas.
"Made in America": a promessa que é (quase) impossível de cumprir
A alegação "Made in America" não é apenas um slogan de marketing; é uma designação legalmente controlada pela Federal Trade Commission (FTC), a autoridade reguladora do comércio nos EUA. Não se pode simplesmente pegar num telemóvel chinês, dar-lhe um banho de dourado e vendê-lo como produto nacional.
"A FTC tem regulações muito estritas sobre como se rotulam os produtos e o seu país de origem," explicou Todd Weaver, CEO e fundador da Purism. A sua empresa é a única nos EUA que pode legitimamente usar uma variante desta alegação para os seus telemóveis. Weaver, que produz o Liberty Phone, um smartphone focado em segurança, não esconde uma certa irritação com as alegações do T1. "Nem eu faço essa alegação, e fabrico toda a eletrónica nos EUA", afirma.
Para o seu telemóvel Liberty, a Purism teve de usar um processador que não é de smartphone, pois nenhuma empresa americana os fabrica (ainda). Mesmo assim, o chip vem de uma fábrica na Coreia do Sul. Uma alegação "Made in America" sem qualificações exigiria que todas as peças, sem exceção, fossem fabricadas nos EUA. É uma tarefa virtualmente impossível, e é por isso que o telemóvel da Purism usa a etiqueta "Made in America Electronics", um reconhecimento de que, embora a eletrónica seja feita localmente, nem todos os componentes o são.
Nem a Apple consegue: a realidade da produção global
A lição mais famosa sobre este tema veio da Apple. Em 2019, sob pressão da administração Trump, a empresa anunciou uma grande fábrica no Texas para montar os seus computadores Mac Pro. No entanto, mesmo com a montagem final a ser feita em solo americano, os computadores não podem ostentar a etiqueta "Assembled in America". Em vez disso, são classificados como "Designed in America" e "Product of Thailand", com "Final Assembly in America".
Os eletrónicos são produtos globais. Nenhuma quantidade de dourado ou de marketing enganoso pode mudar essa realidade. Especialistas da indústria estimam que serão precisos, no mínimo, mais cinco anos para que empresas como a Apple ou a Samsung consigam, se o desejarem, fabricar um telemóvel completo nos EUA.
O Trump T1, que tem lançamento previsto para setembro, não poderá legalmente usar a etiqueta que tanto apregoa. Resta saber se a atual FTC terá a vontade política para processar os filhos do presidente por publicidade enganosa. Uma coisa é certa: no mundo da tecnologia, a origem das peças conta uma história muito mais complexa do que qualquer slogan patriótico.
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