
A saga em torno da privacidade dos dados e da Lei de Segurança Online do Reino Unido ganha novos e alarmantes contornos. Documentos recentes indicam que as ambições do governo britânico para aceder a dados de utilizadores da Apple são muito mais vastas do que se pensava, visando não apenas comunicações cifradas, mas potencialmente tudo o que está armazenado no iCloud, a nível global. A revelação surge depois de os Estados Unidos terem anunciado um acordo que, ao que tudo indica, foi contornado por Londres.
O diferendo intensificou-se quando o governo dos EUA divulgou que o Reino Unido tinha recuado na sua exigência de obter uma "porta de acesso" (backdoor) aos dados cifrados de utilizadores do iCloud. Contudo, novos documentos a que o Financial Times teve acesso mostram uma realidade diferente: os planos britânicos não só se mantiveram, como a ordem de acesso é ainda mais abrangente, afetando potencialmente todos os utilizadores do serviço da Apple no mundo.
Um braço de ferro com base na segurança
A controversa Lei de Segurança Online do Reino Unido obriga as plataformas digitais a implementar medidas rigorosas para combater o abuso infantil, incluindo a verificação de idade e, de forma mais polémica, a criação de acesso para as autoridades a sistemas de comunicação com cifragem de ponta a ponta.
Críticos e especialistas em segurança há muito que alertam que tal medida é tecnicamente contraditória e abre precedentes perigosos para a vigilância em massa. A lei não se limita a cidadãos britânicos, permitindo que o governo aceda a dados de qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo.
A Apple, sendo um dos alvos principais, viu-se obrigada a permitir o acesso total aos dados protegidos pela sua Proteção Avançada de Dados (ADP) em serviços como o iMessage, FaceTime e iCloud. Em resposta, a empresa de Cupertino removeu o serviço do Reino Unido em fevereiro de 2025, mas a lei proíbe-a de informar os seus utilizadores ou outros governos sobre eventuais acessos por parte das autoridades locais.
A intervenção (aparentemente) falhada dos EUA
A dimensão global da lei britânica gerou uma reação forte da administração do presidente Donald Trump, que considerou a medida um ato de espionagem contra cidadãos norte-americanos. Negociações de alto nível, conduzidas pela Diretora de Inteligência Nacional, Tulsi Gabbard, e envolvendo também o vice-presidente J. D. Vance, procuraram garantir que os dados dos americanos ficassem fora do alcance de Londres.
Em agosto de 2025, Gabbard chegou mesmo a celebrar o sucesso das negociações na rede social X, anunciando que o Reino Unido tinha cedido. Contudo, a recente publicação do Financial Times, baseada num documento do Tribunal de Poderes Investigativos (IPT) britânico, sugere que a administração norte-americana foi enganada.
Exigências vão além da cifragem
Segundo a nova informação, o Ministério do Interior do Reino Unido continua a pressionar a Apple para obter acesso irrestrito aos dados da Proteção Avançada. Mais grave ainda, a exigência vai além, devendo a empresa "fornecer e manter a capacidade de divulgar categorias de dados armazenados em um serviço de backup em nuvem". Na prática, isto significa acesso a tudo o que está guardado no serviço padrão do iCloud, desde mensagens e palavras-passe a ficheiros multimédia de todos os utilizadores a nível mundial.
Esta lei aplica-se a todas as grandes empresas de tecnologia, desde a Google e Microsoft, passando pela Meta e X, até gigantes do entretenimento como a Sony, Nintendo e Valve.
Contactado pelo Financial Times, o governo do Reino Unido afirmou não comentar "assuntos operacionais", enquanto a Apple se recusou a fazer declarações, estando legalmente impedida de o fazer. Até ao momento, não houve qualquer reação por parte da administração Trump aos novos desenvolvimentos.










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