
Num conflito definido por drones, artilharia de precisão e uma intensa guerra eletrónica, a mais recente tática do exército russo parece saída de um livro de história. A saturação tecnológica no campo de batalha na Ucrânia está a forçar os militares a recuperarem uma solução arcaica para contornar as defesas modernas: a utilização de cavalos em unidades de assalto.
O que começou com o uso improvisado de burros e cavalos para transportar mantimentos, evoluiu para um programa de treino formal. A reintrodução da cavalaria não vai mudar o rumo da guerra, mas a sua simples presença é um poderoso símbolo de como os limites da tecnologia estão a ser postos à prova.
Uma resposta à saturação tecnológica
A guerra na Ucrânia tornou-se um pesadelo para os veículos blindados. A omnipresença de drones de vigilância e ataque transformou qualquer avanço mecanizado num alvo fácil. Em resposta, o exército russo já tinha experimentado usar motociclos e quads para tentar romper as linhas ucranianas, mas com resultados desastrosos e pesadas baixas.
Neste cenário, a guerra eletrónica converteu cada inovação num alvo com os dias contados. A solução encontrada parece ser o regresso ao básico. Os cavalos surgem como uma alternativa de baixa tecnologia, mais difíceis de detetar por sistemas eletrónicos e capazes de se moverem por terrenos onde os veículos não conseguem passar, especialmente durante a noite.
Treinos de assalto a cavalo
Segundo informações do jornal russo Kommersant, a unidade "Storm" da 9ª Brigada, na região de Donetsk, já está a realizar treinos formais com cavalos para as suas tropas. Vídeos difundidos em canais progovernamentais, como o WarGonzo, mostram soldados a galopar por campos abertos, muitas vezes em pares na mesma montada: um soldado controla o animal enquanto o outro se prepara para abrir fogo.
A tática consiste em usar a velocidade do cavalo para chegar rapidamente a um objetivo. Ao alcançá-lo, os dois combatentes desmontam e avançam a pé contra a posição inimiga. Parte fundamental do treino passa por habituar os animais ao ruído de disparos e explosões, para minimizar o pânico em situações de combate real. Entre as alegadas vantagens, os comandantes russos destacam a capacidade de se guiarem pelo instinto para evitar minas, algo que carece de comprovação.
Mais simbolismo do que eficácia
Apesar do seu valor em cenários específicos, a utilização de cavalos em grande escala enfrenta sérias limitações. O seu peso pode detonar minas antipessoais, necessitam de cuidados e alimentação constantes e a sua capacidade de carga é muito inferior à de qualquer veículo. Até o próprio Kommersant admite que esta medida é, acima de tudo, um gesto simbólico.
Este regresso equino acontece num momento de estagnação da ofensiva russa, que tem registado avanços muito limitados. A imagem de soldados a cavalo contrasta fortemente com a narrativa de inovação e modernização tecnológica do Kremlin, expondo o desgaste material e tático da campanha militar.
O regresso à guerra do século XX
O uso de cavalaria em guerras modernas não é inédito. Durante a Segunda Guerra Mundial, tanto a Alemanha como a União Soviética usaram unidades montadas em operações de patrulha e logística em terrenos difíceis. Mais recentemente, a resistência afegã contra a invasão soviética e, ironicamente, as próprias forças especiais americanas no Afeganistão, recorreram a cavalos para se moverem em zonas montanhosas.
A imagem de soldados a galopar por entre destroços de tanques e sob o zumbido de drones resume o paradoxo da guerra na Ucrânia. Num conflito que serve de montra para as mais recentes inovações militares, como a inteligência artificial e as armas hipersónicas, o impasse tático obrigou a recuperar ferramentas de outra era. A cavalaria não decidirá o futuro da Ucrânia, mas a sua presença é um lembrete de que, na guerra, a tecnologia também tem os seus limites.











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